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O casal Alan Diogo Zoldan, 34 anos, e Tatiane Bazei, 27, começou a investir no campo em 2014. Com 17 vacas, vendiam 6 mil litros de leite por mês. Quatro anos depois, tanto a quantidade de animais quanto a produção aumentaram três vezes. Apesar do volume de trabalho, eles se dividem sozinhos entre o cuidado do filho de nove anos e a propriedade de 17 hectares no interior de Coronel Freitas, no Oeste catarinense.
Os dois fazem parte do grupo de 44,1 mil produtores com menos de 45 anos no campo de Santa Catarina, segundo dados preliminares do Censo Agropecuário 2017, divulgado nesta semana pelo IBGE. O estudo compara dados apurados entre o ano passado e fevereiro com números levantados em 2006.
O jovem casal também representa uma resistência: fizeram o caminho contrário do que a maioria. Na última década, o número de produtores com até 45 anos caiu 40,7% no Estado. Em contrapartida, houve aumento de quem tem mais de 55 anos (83,2 mil hoje).
Apesar de ser a minoria hoje no Estado, Alan e Tatiane não planejam fazer parte da estatística dos que saíram da zona rural. Pelo contrário, a ideia é aumentar ainda mais a produção. Nos últimos dois anos, investiram R$ 100 mil para ampliar o estábulo da ordenha e, mais recentemente, aplicaram R$ 30 mil num sistema de irrigação para a pastagem. Em fevereiro, conseguiram contratar o primeiro funcionário.
– Agora, a gente consegue ter algum fim de semana livre, pois a vaca tem que ser ordenhada todos os dias – afirma Tatiane.
A redução de pessoas com menos de 45 anos no campo acende um alerta, aponta o coordenador técnico do levantamento do IBGE, Jair Aguilar Quaresma.
– Há cerca de 10 anos, houve políticas públicas de incentivo ao crédito para compra de propriedades rurais para casais jovens. Ações como essas deveriam ser mais intensificadas porque é muito evidente que está ocorrendo um envelhecimento no campo aqui no Estado, assim como no Brasil – destaca.
Foto: Arte DC / NSC
Aumento de frutas e proteína animal
A concentração de estabelecimentos agropecuários e trabalhadores no campo encolheu em pouco mais de uma década em Santa Catarina, mas isto não impediu o Estado de aumentar a força produtiva em setores voltados à proteína animal e ao cultivo de frutas, por exemplo.
Apesar da redução de jovens, de pessoal ocupado (menos 12,8%) e de unidades produtivas (menos 5,4%), a agropecuária de SC expandiu seu território em 6,3%, ampliou as áreas irrigadas em 22,92% e viu a frota de tratores crescer 57% no período, além do aumento da população de suínos e bovinos, como ocorreu com o casal Zoldan.
Entre os segmentos mais beneficiados dos últimos anos estão a criação de bovinos (crescimento de 19,1%), ovinos (13,6%) e suínos (28,5%). O Estado é a maior exportadora de carne de porco do país. A produção de leite de vaca dobrou em 11 anos, com expansão de 103%. Embora Santa Catarina seja o segundo maior exportador de frango no Brasil, o plantel de aves reduziu 6,1%.
O cultivo de duas frutas em especial também foi impulsionado. Ainda segundo o IBGE, a produção de maracujá saltou de 2,5 mil toneladas para 27,6 mil toneladas, enquanto a de pitaia praticamente não existia em 2006 e somou 328 toneladas no ano passado.
O avanço tecnológico e da comunicação também aparece no levantamento. Em 2006, somente 7 mil estabelecimentos agropecuários tinham acesso à internet em Santa Catarina, número que chegou a 91,9 mil no ano passado. O aumento de 14 vezes coloca o meio rural catarinense entre os cinco mais conectados do país. Pequenas e médias propriedades representam 69,8% dos estabelecimentos agropecuários catarinenses.
Já o uso de agrotóxicos cresceu 4,1% nos últimos 11 anos, sendo aplicado por 129,3 mil produtores. Apesar do aumento, o Estado está abaixo da média nacional.
– Ficamos bem distantes do aumento verificado no Brasil, de 20,4%, o que acredito ser uma coisa muito positiva para Santa Catarina. Os agrotóxicos são muito importantes para a agricultura, mas temos que fazer um uso racional deles – diz o coordenador do levantamento.
Conforme o IBGE, os dados já apresentados não são conclusivos. O relatório finalizado será divulgado em julho de 2019.
Igor Maraschin, 20, usou o que aprendeu em curso técnico para aumentar produtividade da área da famíliaFoto: Tarla Wolski / Especial
SC tem a menor taxa de analfabetismo
Santa Catarina também aparece no Censo Agropecuário como destaque no ensino: 3,05% dos produtores afirmaram não saber ler e escrever, o menor percentual entre todos os Estados (a média nacional foi de 23,05%). Para especialistas, o desempenho na educação reflete em produtividade.
Na propriedade da família Maraschin, em Coronel Freitas, o notebook já é tão importante quanto um trator. Um programa faz a gestão da área de 36 hectares, que produz 18 mil litros de leite por mês, 13,5 mil frangos a cada dois meses e 1,7 mil sacas de soja e milho por ano.
– Antes, a gente produzia em média 18 a 20 litros por vaca. Agora produzimos 24 a 25 litros, pois o sistema permite ver a qualidade do leite de cada vaca, o custo de produção, a nutrição e a genética – explica Igor, 20 anos.
Ele é o exemplo do jovem que saiu do campo para estudar, mas já está pensando em voltar. Depois de cursar técnico em agropecuária durante três anos em Xanxerê, aplica o que aprendeu no negócio da família.
Os pais de Igor, Nilton e Lane Maraschin, estudaram até a quarta-série do ensino fundamental, mas complementam a formação com cursos de gestão de propriedade oferecidos por uma cooperativa. A irmã Thaís, 14, está terminando o ensino fundamental.
– Ele tem bastante conhecimento sobre sementes e a melhor época de plantio – explica Lane, destacando a importância do curso do filho.
Segundo a gerente de Modalidades, Programas e Projetos Educacionais da Secretaria de Estado da Educação, Beatris Clair Andrade, a parceria estabelecida em 2004 com o governo federal no Programa Brasil/Santa Catarina Alfabetizada facilitou o alcance de comunidades no campo e melhorou os indicadores de SC.
– Se um jovem ou adulto na condição de analfabetismo no campo tem que se deslocar uma grande distância para acessar um processo de alfabetização, isto normalmente não ocorre. Então, se desenvolveram estratégias para levar esse processo até esses locais. Turmas eram formadas na própria comunidade, em salões paroquiais, espaços comunitários, às vezes até nas casas que pudessem receber um professor – explica Beatris.
Foto: Tarla Wolski / Especial
Tecnologia melhora desempenho de safra
O verde escuro da lavoura de trigo traz esperança de boa safra para o agricultor Waldemar Bes, 59 anos. Ele aumentou a área de cultivo, em Xaxim, no Oeste catarinense, de 25 para 30 hectares e também pretende aumentar a produtividade, em relação ao ano passado, de 45 para 60 sacas por hectare.
O produtor acompanha de perto o avanço da tecnologia na agropecuária catarinense nos últimos 10 anos, o que tem propiciado o aumento da colheita sem precisar de mais terras.
– Há 10 anos, a gente produzia de 50 a 55 sacas de soja e de 170 a 180 sacas de milho por hectare. Agora, colhemos mais de 70 e 200 sacas, respectivamente – explica.
Bes e seu irmão, com quem cultiva 80 hectares, sempre investiram em boas sementes, adubação e máquinas novas. Em 2015, gastaram R$ 137 mil num trator novo, mais moderno, com cabine. No ano passado, gastaram mais R$ 600 mil numa colheitadeira nova. O número de tratores em Santa Catarina, aponta o IBGE, saltou de 69,8 mil para 108,3 mil, crescimento de 55%.
Produção de leite tem maior aumento
O leite de vaca é um dos setores produtivos com maior expansão na agropecuária catarinense desde 2006. O salto foi de 103% na produção em 11 anos. Indústrias de grande porte no entorno deram vazão a pequenos e médios produtores. Apesar do ritmo acelerado em pouco mais de uma década, as projeções para os próximos anos são modestas.
Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados de SC (Sindileite), Valter Antônio Brandalise, o crescimento esteve na casa de 10% ao ano até 2014, quando estabilizou e a taxa passou a oscilar. Na avaliação da entidade, o setor chegou próximo de um limite.
O que impede uma nova retomada na produção, diz Brandalise, é a combinação de custos de insumos, como a soja e o milho, além do combustível, da energia elétrica e da carga tributária.
– O governo não tem olhado o leite com a importância que ele merece. Não existe equilíbrio fiscal nas unidades da federação.
A carga tributária em Santa Catarina é maior do que no Paraná e no Rio Grande do Sul. A indústria não consegue acompanhar essa diferença – critica.
Para o produtor Waldemar Bes, no entanto, as projeções sobre a safra não preocupam. O que tira o sono dele, às vezes, é a continuidade do negócio da família. Ele já está com 59 anos e sua filha mais velha, Josiane, formada em Contabilidade, trabalha na cidade. A mais nova, Gabriela, 17, está cursando ensino médio.
– Não sei se elas vão tocar a propriedade, vamos ver. Enquanto der, eu vou trabalhando – resigna-se
No país, área para agropecuária cresce 5%
O número de estabelecimentos agropecuários no Brasil caiu 2% no ano passado em relação a 2006, passando de 5,17 milhões para 5,07 milhões. Já a área total teve uma expansão de 5%, passando de 333,6 milhões de hectares para 350,2 milhões de hectares. Esse aumento corresponde a uma área de 16,5 milhões de hectares, quase o tamanho do Acre, segundo o IBGE. O Censo Agro 2017, com informações mais detalhadas, será divulgado somente em julho de 2019.
De todas as regiões brasileiras, somente o Nordeste apresentou redução do número e da área dos estabelecimentos agropecuários, com perda de 131.565 estabelecimentos e de 9.901.808 hectares. Como no caso de SC, o pessoal ocupado também sofreu redução em comparação ao censo anterior, passando de 16,56 milhões em 31 de dezembro de 2006 para 15 milhões em 2017.
Fonte: DC |