« Voltar
Dr. Gerson Barreto de Oliveira Médico Nefrologista da Santa Casa de São Gabriel CREMERS 18299 – RQE 11776
Muitas vezes ficamos de mãos atadas. É assim no dia a dia, no trabalho, no trato com as pessoas. Agora, ficar sem possibilidade de fazer algo mais por um jovem é desanimador, triste, e nos deixa com um gosto amargo na boca por dias.
Quando se chega para pegar o plantão na UTI, no primeiro momento já podemos avaliar se a noite vai ser tranquila, ou haverá o caos. Eu posso garantir que em algumas ocasiões a vontade é de voltar correndo para casa, tal é o nível de dificuldade que se avizinha, mas a responsabilidade é grande, então fica-se. Já vi muita coisa triste, nada supera ver a dor de uma mãe que perde um filho, e se for criança, presenciar a cena é um soco no estômago. Lembro de uma infeliz mãe que tive que dar a notícia que a filha tinha partido para se tornar um anjo. Era finalzinho de plantão na UTI. Eu fui atender uma urgência no setor de pediatria. O lamento daquela mulher era tão grande que depois das providências tomadas e eu ter saído do local, se ouvia em qualquer setor do hospital aquele choro incomensurável, era um uivo, um lamento agudo e triste, e nada nem ninguém poderia abrandar. Por isso tiro o chapéu para os colegas que decidem ser pediatras. No dia seguinte, cheguei em casa arrasado, sem me dar conta que já era o Dia da Criança, minha filha era pequena e tinha a mesma idade daquela menininha. Estava me esperando na porta sabendo que iria ganhar presente, a abracei demoradamente. Outra vez foi pior, ao abrir a porta da UTI não vi ninguém no grande salão, deixei meus apetrechos pessoais em cima da mesa e fui avançando. No salão pequeno, onde ficam 3 leitos somente, estava o médico que iria me passar o plantão, completamente exausto, mais todo o staff da enfermagem reunido em silêncio. Gelei, uma tragédia se anunciava. Era uma mocinha que tivera todas as complicações raríssimas num quadro agudo, o colega balançou a cabeça com ar de desânimo, ele tinha feito tudo. A paciente estava consciente, sem pressão audível, o nível de oxigenação ainda estava aceitável. Ao pegar o plantão a enfermeira chefe veio falar comigo. Era possível fazer algo mais para salvar aquela vida? Não naquela noite pensei, e nem com aquela jovem. Decidi que iríamos sedar a paciente e deixá-la em ventilação artificial, para que ela não soubesse o que estava acontecendo à sua volta, antever o seu fim seria devastador. O procedimento nessas horas tem que funcionar em equipe, tudo bem azeitado para não haver corre-corre. O tubo endotraqueal que será implantado já tem que estar testado, a seringa com sedativo preparada e toda equipe a postos, há riscos de arritmia e parada cardíaca. Tudo funcionou bem, ela foi entubada como dizemos no hospital. Antes de fazer o procedimento fui com a voz mais segura dizer à paciente que iria fazer um remédio para ela dormir, “ é só o que eu quero, obrigada “.
Naquela noite a guerra já tinha sido decidida e toda a equipe sabia que seria derrotada, ao olhar para o lado vi que a enfermeira chorava, as técnicas de enfermagem choravam, uma tristeza só. E eu que sempre reclamo que as pessoas não sabem mais dizer obrigado fiquei mudo, esta tinha agradecido.
|